sábado, dezembro 13, 2003

Sangue na estrada

Li, reli e recortei para guardar o artigo do Miguel Sousa Tavares, ‘ Morrer na estrada’ ,principalmente,
porque concordo em absoluto com a análise lúcida que faz sobre as múltiplas causas de acidentes mortais nas estradas portuguesas, e que não se restringem só e quase exclusivamente ao álcool e ao excesso de velocidade. Curiosamente, há alguns anos, numa das crónicas que semanalmente então fazia para a Rádio Portalegre eu também criticava a maneira simplista como as autoridades rotulavam as causas dos
acidentes rodoviários: ou era excesso de velocidade ou álcool ou, às vezes também, a falta do cinto de segurança. Habituado, nessa altura, a percorrer o país de norte a sul alertava para o estado desgraçado de muitas das nossas estradas e pontes (desgraçadamente pareceu premonição para o desastre de Entre –os-Rios!), para a sinalização caótica e criminosa, quando não para a total ausência dela... enfim, para
muitos dos inúmeros problemas a que MST volta a fazer referência e com maior acutilância ainda.
Todos sabemos que as causas são múltiplas e basta ler as considerações que ele tece para se perceber que a forma como se está a pôr o problema, não só não o resolve como até o agrava. Aliás, e também nisso concordo com o articulista, no nosso país, parece que a caça à multa é a melhor, atrevia-me quase a dizer a única, forma dos agentes de trânsito, citadino ou não, mostrarem serviço.
Um dia um agente da GNR, escalado para uma acção de orientação do trânsito, confessou-me de viva voz que a primeira coisa que o seu chefe fazia, quando regressavam ao posto, era saber a quantidade multas que cada um tinha aplicado! Julgo que isto corresponde bem à mentalidade das chefias
portuguesas, desde as mais altas às intermédias. Esta é uma forma ardilosa, bem ao jeito do tradicional
‘desenrascanço’ português: se não há verbas, não há problema, umas brigadas na estrada, uma operação ‘stop’ e fica tudo resolvido. A acção de prevenção rodoviária, a começar nas escolas, uma análise exaustiva e séria das principais causas da sinistralidade como aquelas que MST aponta e eu não vou
repetir, procurando encontrar urgentemente as soluções adequadas serão, de certeza, mais eficazes que a simples atribuição de responsabilidades à velocidade e ao álcool. Ainda não há muitos dias, em pleno IP2, no desvio para a entrada de Gáfete, um destes carros que não obriga a carta de condução, apesar de na altura não circular a mais de 30 km, fez uma manobra de tal maneira perigosa que, só por milagre, cinco carros não nos enfaixámos uns nos outros.!
Uma das promessas deste governo (promessas!!!) era a de tomar medidas que visassem acabar com a sinistralidade galopante que se vê nas nossas vias de comunicação. Os arautos do governo tecem loas e mais loas, mas não sei se os resultados serão assim tão positivos. É como a calamidade dos fogos! .
Não quero dizer com isto que não haja necessidade de se controlar a velocidade muitas vezes excessiva, mas se a GNR tem estudos feitos sobre os pontos negros da maior incidência de desastres, por que é que a fiscalização, sobretudo preventiva, não incide nessas zonas em vez de se preocupar apenas com a caça à multa? Porque isso dá chatices, traz problemas, obriga a um tipo de trabalho em que o autoritarismo não é tão visível (e há tanta gente para quem é tão importante mostrar autoridade! ) e, sobretudo, não dá dinheiro. Por outras palavras trata-se um problema de planificação e de chefias. E todos sabemos que o grande problema do país foi ,é e não sei se alguma vez deixará de ser o das chefias. A todos os níveis.
Miguel Sousa Tavares, eu sei que não me lês, mas concordo contigo. Aliás, concordo contigo na
maior parte dos teus artigos e admiro a tua coragem e frontalidade. Num ambiente difícil como é aquele em que te moves, tanto no ‘Público’ como na ‘Bola’.
Uma coisa, porém, me tem espantado em ti. Não te vejo a desmascarar com a verticalidade e ousadia que sempre esperamos de ti os dislates provocatórios e arrogantes , para não apodar de perigosos, do cidadão Paulo Portas! Será que te passam ao lado?

quinta-feira, dezembro 11, 2003

Sacudir a água do capote...

O Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. José Miguel Júdice, escreveu, há pouco, um artigo, espécie de carta aberta, em que comenta um acórdão do conselheiro Pires Salpico, respeitante a um pedido de recusa de juiz. Trata-se, a meu ver, de um documento deveras importante como contributo para a clarificação e melhoria da Justiça em Portugal, que, com humildade e bom senso, deveria ser motivo de séria reflexão, por parte da magistratura portuguesa. Com a devida vénia, atrevo-me a reproduzir textualmente uma súmula das considerações do Sr Bastonário, as quais, pela sua importância, são o dedo na ferida do muito que vai mal nos meandros da prática judiciária e faz com que, de momento, ela esteja tão desacreditada « o que escreveu o conselheiro Salpico é um exemplo de escola do que não deve ser uma sentença judicial, do que não deve ser a forma de relacionamento entre as profissões que constituem o judiciário, do que não deve ser o entendimento da função judicial, do que não deve ser a explicação para os atrasos da justiça e de insensibilidade aos princípios estruturantes do Estado de direito.».
Sem querer meter a foice em seara alheia, penso, porém, que estas judiciosas considerações ( sem qualquer ironia, mas, porque as considero assim, de facto) complementam as preocupações manifestadas pelo Sr. Presidente da República, o que deveria ser razão bastante para todos os que preocupam com o problema, fizessem todos os esforços no sentido de uma rápida e eficiente melhoria do sistema, antes que a desagregação se torne problemática. Dizemos que estamos num Estado de direito, mas os atropelos são tão grandes e tão seguidos que para o cidadão comum começa a haver a preocupante sensação de que há uma justiça para os ricos, para os poderosos, para os que têm poderes mediáticos e políticos e uma outra para os pobres e desprotegidos. É que há constatações de factos ocorridos nos últimos anos que ferem a mais elementar das lógicas de raciocínio: prescrições verdadeiramente escandalosas de crimes graves sem qualquer imputação de responsabilidades a quem quer que seja; decisões de tal modo arbitrárias que apontam de imediato para o recurso; prisões preventivas desproporcionadas e ao atropelo do que está consignado, etc. etc.
Culpa de quem? O Dr. José Miguel Júdice diz que sacode a água do seu capote. Provavelmente com razão. ( Que diferença do bastonário anterior! A este vejo-o numa acção altamente meritória de defender a sua classe, com isenção e justiça, prestando também o seu contributo empenhado em prol da dignificação do Estado de direito. Ao anterior poucas intervenções vi que não fossem de âmbito meramente partidário, servindo-se do lugar para atacar ou pôr em causa o governo e a política de então!)
Os magistrados e o Ministério Público dirão igualmente que a culpa é dos outros. Como, tanto uns como outros se sentem intocáveis nos seus pergaminhos ou se proferem acórdãos do teor do que deu origem ao artigo do Bastonário ou se arranja logo outra desculpa qualquer: funcionários pouco zelosos, excesso de trabalho, instalações degradadas ou insuficientes... o que importa é nunca se porem em causa. O Povo costuma dizer: «casa onde não há pão, todos ralham sem razão». Cuido que aqui o provérbio seria outro:«casa onde não há razão, perde-se a justiça, sobra a ralhação !».
Depois não fiquem ofendidos se se disser que também neste domínio somos um país do terceiro mundo!

O aborto

No ‘ Público’ de hoje, 4ª feira, 10 de Dezembro, gostei particularmente de um artigo nele inserto,
de tal maneira que já aconselhei a sua leitura a várias pessoas e, mais do que a leitura, uma reflexão sobre o conteúdo. Estou a referir-me à crónica do Joaquim Fidalgo ‘Vidas e vidas’. É curioso como quase sempre os artigos deste jornalista tem um quid que faz pensar e pensar muito. Sou, em princípio, contra o aborto, embora saiba que a maior parte dos argumentos utilizados por aqueles que defendem uma posição similar não passa de falácias onde se escondem verdadeiras hipocrisias. No entanto, num assunto tão melindroso, tão extremamente delicado em que se põe em causa a vida de um ser em gestação, é difícil tomar uma posição definitiva sem se equacionarem com a devida ponderação e seriedade todos os ângulos dessa questão. Julgo que o artigo de Joaquim Fidalgo é exemplar na forma como ajuda a equacionar alguns dos dados do problema. Também eu me revolto com a falta de coerência de muitos daqueles que se intitulam de paladinos do direito à vida de qualquer feto e, sem o mínimo rebuço, são capazes de deixar morrer à míngua no desespero e na lama um desgraçado qualquer. Vai uma aposta em que há gente capaz de encabeçar um dos tais movimentos contra o aborto, mas, porque não faz parte do seu desiderato político, pouco lhe importa que muitos dos sem abrigo não tenham uma refeição sequer para mitigar a fome.
Não sei se me enganarei muito, mas tenho quase a certeza de que um conhecido demagogo e populista da nossa praça que agora até sobre democracia ( uma democracia muito peculiar e ao seu jeito, evidentemente ) se deu ao luxo de quotidianamente opinar, é um intrépido defensor do direito à vida mesmo embrionária, tenho quase a certeza, dizia eu, de que está pedindo a todos os santinhos do céu para uma bombazita iraquiana matar uns poucos de portugueses da GNR que foram para essas bandas, porque era uma lástima, mas dava um jeitão para a sua propagandazinha pessoal. Agora que os ventos estão de feição, vinha mesmo a calhar!
Apesar de ‘remake’ da encenação Magiollo Gouveia, não voltava a ficar mal um joelho no chão e o ar solenemente abatido de dor e emoção, a majestade patética que só os grandes actores sabem dar nos transes da tragédia... Temos que convir que não seria marcante...seria imorredoiro! É que há momentos que valem uma eternidade ! Qual direito à vida, se em causa está o orgulho nacional!!!
«O soldadinho já volta do outro lado do mar...» não passa de paranóias de esquerdismo barato.
«A morte, sim, a morte, por um momento de glória como este! O outro não dava o reino por um cavalo! Acaso não sou melhor?
«E as tiradas grandiloquentes que eu poderia proferir nessas alturas! A deixarem para trás ‘portugueses temos o Santa Maria connosco!’»
Como vêem, mandar soldados para o desafio de uma morte traiçoeira e iminente não é um crime. É um acto de coragem e de verdadeiro chefe. Que nem à tropa foi. Por acaso.
Crime, isso sim, é matar um feto embrionário ainda em fase de formação. E, se calhar o ‘iluminado’ até acaba por ter razão. De outra forma como é que poderiam surgir abortos como ele?
. Bem hajas, Joaquim Fidalgo.

terça-feira, dezembro 09, 2003

Confesso...

Confesso que me sinto um pouco constrangido. E até arrependido, por que não dizê-lo !
Fiz juízos de valor precipitados, presumi processos de intenções menos claros, vislumbrei sórdidas manipulações a torto e a direito, vasculhei zonas obscuras e alienantes onde, afinal, só havia clareza e a mais límpida transparência ...mas, que dianho ( como dizia a minha avó materna, quando as coisas lhe não iam de feição !), tudo apontava para que eu julgasse não andar tão longe da verdade. Toda a gente escreve: são políticos e são ex-políticos, são cabos de guerra e são ex- cabos de guerra, são analistas políticos e são analistas da guerra, são os psicólogos e os para-psicólogos , são os jornalistas e os que sendo jornalistas são também correspondentes de guerra, são os treinadores de futebol, são os jogadores, são os e as que escrevem futilidades e vivem dessas futilidades para aparecerem nas bancas das livrarias ou nos escaparates dos hipermercados... ( de vez em quando lá aparece, um pouco envergonhado, misturado nesta amálgama editorialista pseudo- liiterária, um verdadeiro livro a sério!) , toda a gente escreve, dizia eu e como sou um pouco céptico em relação à fartura ( quando a esmola é grande o pobre desconfia, não é? ), comecei a achar que devia tratar-se de gato escondido com rabo de fora... Como fui injusto, meu Deus!
O mesmo se passou com os comentadores: é claro que desconfiei, quando vi políticos ( da direita à esquerda, mais os primeiros, em abono da verdade ) a tecerem comentários a propósito de tudo e de todos. Na rádio, na televisão, nos jornais, nas revistas da especialidade e sem ser da especialidade, os comentadores opinam sobre todas as coisas, analisam todos os eventos, dissecam ao ínfimo pormenor as incidências de qualquer processo, nacional ou estrangeiro, longe ou perto do poder, dentro ou fora da sua especialidade, numa magnitude enciclopédica que aturde, que embriaga, que esmaga...
Mauzinho, eu, que havia de pensar?! Nesta lufa-lufa de escrita e comentário, nesta corrida louca contra o tempo e contra os outros, dei comigo a magicar nos interesses ocultos que deveriam estar por detrás de tanta azáfama. É que agora não é só a febre dos sábados à tarde de antigamente, é a loucura, a excitação febril de todos os dias da semana, de todas as horas, de todos os minutos, de todos os segundos... Seria a paranóia do dinheiro no mundo consumista e louco em que vivemos? Seria a ilusória e narcisista vaidade de querer ser alguém, uma hora, um minuto que seja? Que mistérios profundos e insondáveis se escondem por detrás deste exibicionismo despudorado e cego?
Mas, de repente, fez-se luz no meu espírito ! E daí o meu arrependimento já manifestado. Aqui não há sofreguidão, não há ganâncias, não há interesses políticos obscuros nem a cúpida avidez pelo dinheiro, atropelando tudo e todos, eximindo-se a impostos e demais contribuições...Tudo é límpido e sereno...
No fim de contas, é tudo por uma boa causa. Políticos, jornalistas, críticos, comentadores, treinadores, jogadores, analistas e escritores, e mais os serventuários e mais os bajuladores, afinal, não andam ‘ ao meu, ao meu ’!
O que estão é todos apenas interessados em contribuir para as instituições de solidariedade nacional, para que a fome e a miséria desapareçam rapidamente da nossa sociedade, para que haja mais paz e justiça social. Querem somente contribuir para que se estabeleça um verdadeiro espírito de natal nos trezentos e sessenta e cinco dias do ano. Se este não for bissexto.
Amen.

...ideo precor

A todos a quem resta um pouco de dignidade e de vergonha que me digam se é verdade aquilo que a comunicação social informou nos últimos dias:
1ª - que os agentes de trânsito da guarda nacional republicana do Algarve perdoavam as multas às infracções de trânsito cometidas por muita gente importante ( políticos, autarcas, dirigentes...) da região e acrescentavam despudoradamente que essa era uma prática comum e extensiva a outras zonas do país... Um país em que os ricos e poderosos não têm as mesmas leis do cidadão comum. A troco de alguns favores...E a oposição fica calada. Diz o povo que quem cala consente...
2ª - que o cada vez mais ousado Dr Paulo Portas, passada a intranquilidade e a insegurança que as possíveis vicissitudes do seu nebuloso comportamento no caso Moderna poderiam provocar e, provocariam com toda a certeza num país onde a justiça fosse igual para todos, na sua calculada e progressiva escalada de desaforo político, na sua obstinada campanha para desacreditar os valores democráticos , vai fazendo eco de um revivalismo soez e torpe do racismo, do colonialismo, dum salazarismo podre, bacoco e doentio, atacando ferozmente as figuras e as referências do regime democrático com a ignóbil desfaçatez dos que não olham a meios para atingir os fins... ( as venerandas!!! figuras do antigamente , os principais responsáveis pelo imobilismo decrépito em que, orgulhosamente sós, vegetámos durante quatro décadas, os grandes fautores de um colonialismo miserabilista, que só trouxe desgraça e opróbrio a todos os que o viveram ou lhe sofreram e sofrem ainda as consequências, os arrogantes senhores do ódio e da mentira, do chauvinismo e da opressão não desapareceram! Esperaram longos anos, mas estão de volta. Como os vampiros, ávidos de sangue e de vingança! Dantes estavam no Movimento Nacional Feminino, na Obra das Mães, na Mocidade Portuguesa... Agora pululam nas páginas das revistas muito ‘ in ‘, do serôdio jet set nacional, vão muito às recepções, ao fado e às touradas... dão ‘cor e alegria’ à pútrida fantochada de que se alimentam estes pútridos fantoches passadistas. Mas estão à espreita.- Sempre à espreita. Para a machadada final num regime que, diga-se de passagem ,também pouco ou mesmo nada tem feito para se precaver !)...E os cabeças de proa, Lopes e Portas, qual hidra devoradora e sequiosa, estarão prontos para engolir Marcelos, Cavacos, Durões, Ferros , Soares ou quaisquer outros que lhes queiram fazer frente. Porque, quando acordarem, será tarde!
3ª - que o recente escândalo da rede pedófila descoberta nos Açores, não é mais do que outro ‘ mons parturiens ’ da cena nacional em que, no fim ,de tão profunda e vasta teia, de rede tão ramificada que até ao estrangeiro estende os seus tentáculos, o que vai surgir no terreiro não serão mais do que duas ou três marionetas de segunda grandeza. Para os parvos acreditarem que a justiça se mexe em Portugal. Só se for para de vez em quando se coçar!!!...
Ideo precor...para que me digam em que país estamos! Que Portugal é este?!

quinta-feira, dezembro 04, 2003

Rios do Porto

Cá estou eu outra vez com os rios à volta. É que eu acho que o Porto, além de ser uma cidade maravilhosa, é também uma cidade privilegiada. Não conheço nenhuma outra que se possa gabar de ter rios para todos os gostos: tem um rio majestoso, nobre, altivo e indómito, um rio onde se casam a beleza e o carácter, com o qual se identificam todos os portuenses e gaienses, no qual se revêem todos os portistas, amantes da sua terra e das suas gentes, todos os que não se vendem por quaisquer trinta moedas nem se tornam subservientes ao poder de outros credos e raças...tinha que ser d’ouro um rio assim ! Há também um rio tinto, não do vinho derramado, mas de matanças que noutros tempos às vezes se faziam. Já o quiseram esconder em conduta fechada, talvez para esquecer pecados velhos!... Apareceu-nos agora um novo rio...É o rio dos outros...daqueles que têm entradas de leão ( vamos lá a ver se não terão saídas de sendeiro ! ), das lauras, dos paulos e dos ricardos ( estou embasbacado com a grandeza dos empreendimentos que fizeram!!! ); dos outros, cultos e pseudo-cultos, que, na sombra, empurram estas marionetas; de todos aqueles que, nascidos na cidade ou na região, propalam tudo fazer e nada fazem; dos criadores de projectos condenados ao fracasso ( como é reconfortante não se ver agora um único drogado pelas ruas!!!...como é comovente ver dezenas de pessoas sem abrigo não poderem matar diariamente a fome, devido aos caprichos de um senhor qualquer!!! ,mas também é verdade que o burro do espanhol, aos poucos, se ia desabituando de comer!... meus amigos, se isto não é poupança?! ); dos senhores engravatados e com falso polimento; daqueles para quem servir a cidade é ser servil ao poder que vem de fora e só nos trama... É um rio de merda..., mas, que diabo, assim podemos gabar-nos de ter três rios!!!
Não é um luxo ?

segunda-feira, dezembro 01, 2003

Estes sepulcros caiados de branco...

Abomino a hipocrisia. Uma das coisas que mais me revolta nas convenções sociais é o repertório de manifestações hipócritas que condicionam o relacionamento humano numa panóplia de representações como arte do fingimento. Por detrás de um sorriso ou de uma mesura escondem –se muitas vezes ressentimentos, rancores, ódios, invejas e, quase sempre, maledicências insuportáveis. Vem isto a propósito do agora muito actual caso da pedofilia, do extenso e horrorizado clamor que os órgãos de comunicação social e os diferentes protagonistas desta tragicomédia andam apregoando. Será para acalmar remorsos mal calados? Para sossegar consciências inquietas? Será para desviar atenções de maquinações que se tramam na sombra dos gabinetes? Que interesses obscuros importa calar a todo o custo? Um dia a História se encarregará de fazer um pouco de luz sobre o que de verdadeiro está por detrás de tudo isto!...
Não será profundamente estranho que um caso destes, apontado como verdadeiro escândalo nacional e, no início, como apenas a ponta do icebergue que, na sua real dimensão, se iria transformar num verdadeiro terramoto, ao fim de quase um ano, pouco mais tenha revelado do que o confrangedor estado em que se encontra a nossa justiça? Por outras palavras, um caso que iria revolver mundos e fundos apresenta como balanço uma dúzia de arguidos desconhecedores do que são acusados e da maneira como os processos se estão a desenvolver, uns tantos advogados revoltados e à deriva, uns tantos juizes, desembargadores e delegados do ministério público carentes de protagonismo e uma comunicação social ávida de fazer justiça na praça pública!.. É pouco. É manifestamente pouco.
Onde está a investigação séria que deslinde a trama obscura de que verdadeiramente se suspeita. Sim, que se suspeita. Porque acho, sinceramente acho, que há muito de nubloso, de obscenamente nubloso, em todo esta história. Admito até que os arguidos em causa sejam todos culpados. A dúvida em que fico é, porém, outra: onde estão os outros?. Não me venham dizer que das centenas de suspeitos só doze ou treze é que eram os tais pedófilos, porque não acredito. De todos os quadrantes políticos ( e já há muitos anos se falava do envolvimento de grandes tubarões – estou, por acaso, a lembrar-me de graves acusações formais feitas pelo deputado Carlos Candal a certas figuras do regime, acusações nunca desmentidas) não acredito que num escândalo de tais proporções só esteja envolvido um deputado! Como não acredito que sejam só dois médicos ( ou um ), que seja só um diplomata, um apresentador de Televisão( por sinal incómodo, já que não dava muitos améns ao poder agora vigente) e mais três ou quatro pessoas? O que se esconde por trás disto tudo? Que artimanhas, que vigarices que compadrios, que tramóias? Quem querem enganar? Será que isto não passa de uma manobra de diversão e os verdadeiros culpados, os principais culpados, vão ser inocentados?
Qual é o verdadeiro papel de Catalina Pestana em todo este imbróglio? Sendo ela professora da casa há tanto tempo, não tinha conhecimento do que se passava? Durante anos foi cega e surda sempre que entrava na instituição e só agora, maravilha das maravilhas, por efeito de felizes bagoadas, a verdade se lhe revelou, os olhos se lhe abriram e os ouvidos se destaparam! Não é comovente o empenhamento do pedopsiquiatra José Strecht, agora, também ele, tão compadecido das criancinhas?!... E onde estavam o Pedro Namora e o Adelino Granja, durante todos os anos em que, já longe da Casa Pia, se mantinham mudos e quedos que nem penedos?
Agora todos clamam indignados contra a instituição, mas são incapazes de fazer o ‘mea culpa, mea maxima culpa’, a começar pelos governantes, por todos os governantes ! ( coitadinhos que ninguém sabia de nada!) e a acabar em todos os responsáveis e colaboradores que ao longo dezenas e dezenas de anos usaram a abusaram da situação das crianças. É necessário responsabilizá-los. A todos. Mesmo que legalmente não possa haver procedimento penal por prescrição, é indispensável que lhes seja assacada a responsabilidade moral, porque essa não prescreveu e os que foram humilhados e ultrajados ao longo de décadas têm direito a essa reparação. E porque a sociedade também tem o direito de saber que tipo de criminosos activos e passivos a geriram. Não venham agora com lágrimas de falso constrangimento, porque se não são autores, são ou foram, pelo menos, coniventes
Não era e é do conhecimento público que em quase todas as instituições públicas e privadas, civis ou religiosas, onde vigorava e vigora o regime de internamento, os abusos sexuais eram frequentes ? Não era e é do conhecimento público que o enorme bordel de prostitutas e prostitutos ( alguns deles extremamente jovens) em que algumas zonas da Lisboa nocturna se transformara nos últimos anos tinha origem em qualquer lado? E que a clientela era sobretudo gente endinheirada? Que faziam as autoridades policiais? E as judiciais?
Comovo-me agora tanto quando vejo os recentes puritanos a exprimir tanta compunção, a derramar tanta essência benfazeja.! E com tanta sede de justiça ! Sobre doze ou treze! Se calhar nem os mais culpados nem mais responsáveis. Mas é preciso que haja bodes expiatórios. Para que catarse se faça.
E tudo possa continuar como era dantes. .

Das duas uma

Das duas uma: ou o Sr. Paulo Portas é um idiota chapado ou, então, pensa que os portugueses são todos idiotas, estúpidos, ignorantes e incultos, que desconhecem por completo a história de Portugal, com as suas virtudes e defeitos, com as suas grandezas e vãs glórias, com as suas desditas e infortúnios... Desditas e infortúnios que não foram poucos, diga-se de passagem. Resultando , as mais das vezes, de alguns ‘ iluminados’, como o Sr. Portas, que quiseram levar o país, ao arrepio dos ventos da história, para terras do nunca, sem projectos nem futuro, mas com miríficas visões em que eles eram os primeiros a não acreditar. Para o ‘ orgulhosamente ‘ sós. Falam sempre numa história de império e grandeza, de expansão da fé e do território ( em prol da religião e da grei, assim rezavam as cartilhas, que contavam sempre as estrondosas vitórias contra forças desproporcionadamente superiores e, se é certo que, às vezes, se referia algum dissabor guerreiro, nunca ele passou de um pequeno desastre, onde, apesar de tudo, houve sempre as provas de heroísmo mais manifestas).
Colónias ? Jamais. Eram províncias ultramarinas, senhores, eram províncias! ─ sempre foi um Portugal multi-secular e pluri-continental, com total mistura de raças e de credos!...Nunca houve colonizadores ...nem cipaios... nem recrutamento forçado nas sanzalas... nem castigos corporais desumanos e cruéis...nem discriminação racial ... nem portugueses de 1ª e de 2ª... ( se os próprios brancos nascidos nas colónias tinham um estatuto de subalternidade em relação aos da metrópole !).Tudo mentira. Tudo a mais refinadas das mentiras. Porque, se alguma vez, algum exagero houve, foi só por mera casualidade. Os africanos revoltaram-se, por manifesta ingratidão e pura estupidez! E com os malditos comunistas a empurrarem-nos para isso. Como se ânsia de libertação dos povos não tivesse sido comum a toda a África! Para o Sr. Paulo Portas não. É o desejo de voltar a qualquer preço à mentira O tempo veio efectivamente mostrar que, apesar de colonizadores, nem isso soubemos ser. Porque ingleses, franceses, belgas foram-no, mas, ao menos, souberam tirar benefícios da situação e souberam continuar ligados às suas antigas colónias. Nós, nem isso. E por este portal é que não vamos a lado nenhum.
O Sr Portas, num acervo de revanchismo justiceiro (fora de tempo, mas que importa?) vem pugnar por uma revisão constitucional que negue a história! ( É curioso como este senhor que tão calado andou nos últimos tempos, enquanto não acabou o julgamento da Moderna, não se desse o acaso de alguns estilhaços lhe virem a cair em cima, agora, já voltou a estar interventivo e actuante!... Claro que sempre acolitado pelo ‘ abençoado ‘ fogo de S. Telmo (Correia). Como é curioso já Camões falar do terror dos marinheiros face fogos de santelmo? Alguma razão teriam!).
Dizia eu, de princípio, que o Sr Paulo Portas ou é um idiota chapado ou quer fazer de nós imbecis. Apesar de reconhecer que os seus conhecimentos da realidade colonial portuguesa devem ser um tanto resultantes da visão irreal e dourada que a inteligente e sabedora amiga Cinha Jardim lhe vai transmitindo juntamente com aquela que os seus imberbes, mas maquiavélicos, assessores lhe deixam em cima da secretária, não deixo de recear por estas funestas intenções que não pressagiam nada de bom. Mais xenofobia? Mais racismo? Europa, não querem, afirmam peremptórios! Que alternativas? Atlantistas? Com quem? Voltar ao império que nunca existiu, mas faz de conta? Não há nada pior que um demagogo que nada tem para oferecer. Só se fôr trampa, como dizia o outro! E depois de casa roubada, trancas ao Portas, é capaz de já não dar!

PS. Porque será que a (alfa)Cinha Jardineira andou ou anda tão ligada ao Lopes e ao Portas?
Coincidências? Eu, se me chamasse Barroso, por muito durão que fosse, punha-me de sobreaviso!