Sangue na estrada
Li, reli e recortei para guardar o artigo do Miguel Sousa Tavares, ‘ Morrer na estrada’ ,principalmente,
porque concordo em absoluto com a análise lúcida que faz sobre as múltiplas causas de acidentes mortais nas estradas portuguesas, e que não se restringem só e quase exclusivamente ao álcool e ao excesso de velocidade. Curiosamente, há alguns anos, numa das crónicas que semanalmente então fazia para a Rádio Portalegre eu também criticava a maneira simplista como as autoridades rotulavam as causas dos
acidentes rodoviários: ou era excesso de velocidade ou álcool ou, às vezes também, a falta do cinto de segurança. Habituado, nessa altura, a percorrer o país de norte a sul alertava para o estado desgraçado de muitas das nossas estradas e pontes (desgraçadamente pareceu premonição para o desastre de Entre –os-Rios!), para a sinalização caótica e criminosa, quando não para a total ausência dela... enfim, para
muitos dos inúmeros problemas a que MST volta a fazer referência e com maior acutilância ainda.
Todos sabemos que as causas são múltiplas e basta ler as considerações que ele tece para se perceber que a forma como se está a pôr o problema, não só não o resolve como até o agrava. Aliás, e também nisso concordo com o articulista, no nosso país, parece que a caça à multa é a melhor, atrevia-me quase a dizer a única, forma dos agentes de trânsito, citadino ou não, mostrarem serviço.
Um dia um agente da GNR, escalado para uma acção de orientação do trânsito, confessou-me de viva voz que a primeira coisa que o seu chefe fazia, quando regressavam ao posto, era saber a quantidade multas que cada um tinha aplicado! Julgo que isto corresponde bem à mentalidade das chefias
portuguesas, desde as mais altas às intermédias. Esta é uma forma ardilosa, bem ao jeito do tradicional
‘desenrascanço’ português: se não há verbas, não há problema, umas brigadas na estrada, uma operação ‘stop’ e fica tudo resolvido. A acção de prevenção rodoviária, a começar nas escolas, uma análise exaustiva e séria das principais causas da sinistralidade como aquelas que MST aponta e eu não vou
repetir, procurando encontrar urgentemente as soluções adequadas serão, de certeza, mais eficazes que a simples atribuição de responsabilidades à velocidade e ao álcool. Ainda não há muitos dias, em pleno IP2, no desvio para a entrada de Gáfete, um destes carros que não obriga a carta de condução, apesar de na altura não circular a mais de 30 km, fez uma manobra de tal maneira perigosa que, só por milagre, cinco carros não nos enfaixámos uns nos outros.!
Uma das promessas deste governo (promessas!!!) era a de tomar medidas que visassem acabar com a sinistralidade galopante que se vê nas nossas vias de comunicação. Os arautos do governo tecem loas e mais loas, mas não sei se os resultados serão assim tão positivos. É como a calamidade dos fogos! .
Não quero dizer com isto que não haja necessidade de se controlar a velocidade muitas vezes excessiva, mas se a GNR tem estudos feitos sobre os pontos negros da maior incidência de desastres, por que é que a fiscalização, sobretudo preventiva, não incide nessas zonas em vez de se preocupar apenas com a caça à multa? Porque isso dá chatices, traz problemas, obriga a um tipo de trabalho em que o autoritarismo não é tão visível (e há tanta gente para quem é tão importante mostrar autoridade! ) e, sobretudo, não dá dinheiro. Por outras palavras trata-se um problema de planificação e de chefias. E todos sabemos que o grande problema do país foi ,é e não sei se alguma vez deixará de ser o das chefias. A todos os níveis.
Miguel Sousa Tavares, eu sei que não me lês, mas concordo contigo. Aliás, concordo contigo na
maior parte dos teus artigos e admiro a tua coragem e frontalidade. Num ambiente difícil como é aquele em que te moves, tanto no ‘Público’ como na ‘Bola’.
Uma coisa, porém, me tem espantado em ti. Não te vejo a desmascarar com a verticalidade e ousadia que sempre esperamos de ti os dislates provocatórios e arrogantes , para não apodar de perigosos, do cidadão Paulo Portas! Será que te passam ao lado?
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