Estes sepulcros caiados de branco...
Abomino a hipocrisia. Uma das coisas que mais me revolta nas convenções sociais é o repertório de manifestações hipócritas que condicionam o relacionamento humano numa panóplia de representações como arte do fingimento. Por detrás de um sorriso ou de uma mesura escondem –se muitas vezes ressentimentos, rancores, ódios, invejas e, quase sempre, maledicências insuportáveis. Vem isto a propósito do agora muito actual caso da pedofilia, do extenso e horrorizado clamor que os órgãos de comunicação social e os diferentes protagonistas desta tragicomédia andam apregoando. Será para acalmar remorsos mal calados? Para sossegar consciências inquietas? Será para desviar atenções de maquinações que se tramam na sombra dos gabinetes? Que interesses obscuros importa calar a todo o custo? Um dia a História se encarregará de fazer um pouco de luz sobre o que de verdadeiro está por detrás de tudo isto!...
Não será profundamente estranho que um caso destes, apontado como verdadeiro escândalo nacional e, no início, como apenas a ponta do icebergue que, na sua real dimensão, se iria transformar num verdadeiro terramoto, ao fim de quase um ano, pouco mais tenha revelado do que o confrangedor estado em que se encontra a nossa justiça? Por outras palavras, um caso que iria revolver mundos e fundos apresenta como balanço uma dúzia de arguidos desconhecedores do que são acusados e da maneira como os processos se estão a desenvolver, uns tantos advogados revoltados e à deriva, uns tantos juizes, desembargadores e delegados do ministério público carentes de protagonismo e uma comunicação social ávida de fazer justiça na praça pública!.. É pouco. É manifestamente pouco.
Onde está a investigação séria que deslinde a trama obscura de que verdadeiramente se suspeita. Sim, que se suspeita. Porque acho, sinceramente acho, que há muito de nubloso, de obscenamente nubloso, em todo esta história. Admito até que os arguidos em causa sejam todos culpados. A dúvida em que fico é, porém, outra: onde estão os outros?. Não me venham dizer que das centenas de suspeitos só doze ou treze é que eram os tais pedófilos, porque não acredito. De todos os quadrantes políticos ( e já há muitos anos se falava do envolvimento de grandes tubarões – estou, por acaso, a lembrar-me de graves acusações formais feitas pelo deputado Carlos Candal a certas figuras do regime, acusações nunca desmentidas) não acredito que num escândalo de tais proporções só esteja envolvido um deputado! Como não acredito que sejam só dois médicos ( ou um ), que seja só um diplomata, um apresentador de Televisão( por sinal incómodo, já que não dava muitos améns ao poder agora vigente) e mais três ou quatro pessoas? O que se esconde por trás disto tudo? Que artimanhas, que vigarices que compadrios, que tramóias? Quem querem enganar? Será que isto não passa de uma manobra de diversão e os verdadeiros culpados, os principais culpados, vão ser inocentados?
Qual é o verdadeiro papel de Catalina Pestana em todo este imbróglio? Sendo ela professora da casa há tanto tempo, não tinha conhecimento do que se passava? Durante anos foi cega e surda sempre que entrava na instituição e só agora, maravilha das maravilhas, por efeito de felizes bagoadas, a verdade se lhe revelou, os olhos se lhe abriram e os ouvidos se destaparam! Não é comovente o empenhamento do pedopsiquiatra José Strecht, agora, também ele, tão compadecido das criancinhas?!... E onde estavam o Pedro Namora e o Adelino Granja, durante todos os anos em que, já longe da Casa Pia, se mantinham mudos e quedos que nem penedos?
Agora todos clamam indignados contra a instituição, mas são incapazes de fazer o ‘mea culpa, mea maxima culpa’, a começar pelos governantes, por todos os governantes ! ( coitadinhos que ninguém sabia de nada!) e a acabar em todos os responsáveis e colaboradores que ao longo dezenas e dezenas de anos usaram a abusaram da situação das crianças. É necessário responsabilizá-los. A todos. Mesmo que legalmente não possa haver procedimento penal por prescrição, é indispensável que lhes seja assacada a responsabilidade moral, porque essa não prescreveu e os que foram humilhados e ultrajados ao longo de décadas têm direito a essa reparação. E porque a sociedade também tem o direito de saber que tipo de criminosos activos e passivos a geriram. Não venham agora com lágrimas de falso constrangimento, porque se não são autores, são ou foram, pelo menos, coniventes
Não era e é do conhecimento público que em quase todas as instituições públicas e privadas, civis ou religiosas, onde vigorava e vigora o regime de internamento, os abusos sexuais eram frequentes ? Não era e é do conhecimento público que o enorme bordel de prostitutas e prostitutos ( alguns deles extremamente jovens) em que algumas zonas da Lisboa nocturna se transformara nos últimos anos tinha origem em qualquer lado? E que a clientela era sobretudo gente endinheirada? Que faziam as autoridades policiais? E as judiciais?
Comovo-me agora tanto quando vejo os recentes puritanos a exprimir tanta compunção, a derramar tanta essência benfazeja.! E com tanta sede de justiça ! Sobre doze ou treze! Se calhar nem os mais culpados nem mais responsáveis. Mas é preciso que haja bodes expiatórios. Para que catarse se faça.
E tudo possa continuar como era dantes. .
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