No pretérito dia 29 de Maio tive de deslocar-me a Lisboa por razões de natureza familiar e, depois de uns dias em Lisboa e no Alentejo, eis-me regressado aos meus posts.
Mas, como dizia, no dia 29 rumei à capital do império (!!!), onde, na parte da manhã, reinava um estado de euforia fora do vulgar. Carros e buzinadelas provocatórias pressagiavam mais uma "tarde de glória", uma "dobrada" a preceito que voltaria a galvanizar a falange dos "milhões", já um tanto entorpecida por uma semana de sacrossantas comemorações.
No caminho pela marginal até S. Domingos de Rana e à medida que nos aproximávamos do desvio para o estádio de Oeiras o ambiente era de uma festividade prevista , calculada, preparada...Tudo a favor do regime vigente no futebol nacional. Mas o diabo tece-as... tece, tece. Começo por dizer que não vi o jogo nem ouvi o relato.
Pouco faltava para as 17 horas, quando, deixando S. Domingos de Rana, no regresso a Lisboa, ao aproximar-me da portagem de Carcavelos da A5, deparo na cabine de pagamento com um cachecol lampião a toda a largura do cubículo com os seguintes dizeres «graças a Deus não sou tripeiro». Depois do pagamento, virei-me para o funcionário e disse-lhe: «Sabe? Eu, graças a Deus, sou tripeiro!». Ficou a olhar para mim com aquele ar inteligente que a lampionagem costuma ter nestas circunstâncias e nem foi capaz de retorquir. Numa auto-estrada, de serviço público? E ninguém lhe pede satisfações? Se fosse o contrário, cá no Norte! Caía o Carmo e a Trindade. E a imprensa, a rádio e a televisão não faltariam a «badalar». Assim...
Quando arranquei, pus-me a pensar, que, afinal, era um exemplo acabado de um "bom chefe de família" português e, como tal, tudo lhe era permitido.
Depois de ter estado um bom pedaço em casa do meu cunhado, que, apesar de lagarto, liga pouco ao futebol, tive necessidade de me deslocar a casa da minha filha nos Olivais. Como não estava ninguém em casa, propus-me regressar, estranhando contudo o silêncio que se fazia sentir nos cafés vizinhos, apesar de todos estarem a transmitir o relato televisivo e de estarem cheios de assistência. Pensei com os meus botões: «as coisas não devem estar a correr muito bem para os benfas que estão muito calados!». Eis senão quando, de dentro de um dos cafés, sai furioso um rapagão dos seus vinte e muitos anos, cachecol e barrete vermelhos (estava um calor de rachar, mas nestas alturas...) arrastando pelo braço uma rapariga mais ou menos da mesma idade (mulher? companheira?...) e vociferando, sem mais aquelas, espeta-lhe um valente cachação. Não sei se houve mais, porque, entretanto, arranquei. Outro bom chefe de família! Fiquei, porém, com pressentimentos agradáveis.
É evidente que, mal regressei a casa do meu cunhado, liguei logo a televisão e o que pressenti naquela «carinhosa» manifestação de amor conjugal, própria dos "bons chefes de família", tinha efectivamente acontecido. Dobradinha? O campeonato foi como foi e queriam a dobrada?!
Nem com os empurrões do costume.
Deu-me muito gozo, à noite, quando fomos jantar à Portugália, junto ao Tejo, no silêncio envergonhado e cabisbaixo da cidade, ver três viaturas de lagartos, a percorrer as ruas da baixa , bandeiras e cachecóis desfraldados, a associarem-se à festa do Vitória.
Os bons chefes de família sofrem cada uma!
Dias depois em Portalegre, em conversa com um fanático e fundamentalista lampião, contava-lhe eu estes episódios por mim testemunhados e, do alto da sua prosápia atrabiliária e desbocada, atira-me com esta «pois, em Portugal ou se é benfiquista ou anti-benfiquista». «Não é verdade, respondi-lhe, mas, se fosse, já te deste conta dos motivos?»
Trinta anos depois do 25 de Abril, estes benfas bafientos e caquéticos continuam a pensar à maneira do velho regime que lhes deu tantas glórias e benesses: «quem não está por nós está contra nós».
Mas são todos «bons chefes de família»!